O que fazer em pleno sábado a noite com duas crianças trancadas num chalé de menos de 40 m² quando a temperatura lá fora despencou e as chances de enxergar algo além do seu nariz são mínimas?
Enfie as crianças no carro e saia sem destino, é claro!
Foi isso o que fizemos numa noite como a descrita acima antes que os dois hiperativos impacientes se pendurassem no lustre.
Já em "deslocamento" levantamos as possibilidades das redondezas e tivemos a grata surpresa de acabar em Santana de Parnaíba (pelo caminho mais comprido, pois a ideia era fazer com que as crianças dormissem, o que não funcionou...).
Santana, para quem não conhecia, como eu, faz parte da região metropolitana de São Paulo, na microrregião de Osasco. Para quem sai pela Castello Branco, fica à direita, atrás dos Alphavilles e Tamborés.
É antiquíssima e com uma história muito interessante: em 1580, Suzana Dias, neta do cacique Tibiriçá, juntamente com seu filho, Capitão André Fernandes, funda uma fazenda à beira do rio Anhembi (atual rio Tietê), a oeste de São Paulo, próximo a cachoeira denominada pelos indígenas de "Parnaíba" (lugar de muitas ilhas).
Devido a sua posição estratégica no vale do rio Tietê, torna-se ponto de partida das bandeiras que seguiam rumo ao Oeste Paulista e ao Mato Grosso e em 1625 o povoado é elevado à condição de vila, com a correspondente criação do município. Com o fim das bandeiras o local entrou em declínio, ficando fora das rotas comerciais do próximo século. Em 1901 a construção da Usina Edgard de Sousa não foi suficiente para revitalizar a região que só volta a ficar valorizada com a construção de Alphaville na década de 80.
Seu centro histórico é tombado e bem conservado. Por ali é possível achar restaurantes, lojinhas, ateliers e na pracinha da igreja do século XIX o coreto dá o charme extra do lugar.
Fomos ao Bartolomeu, que serve porções, fondues e outras especialidades e ai no centro histórico mesmo é possível achar caminhando outras opções.
Quem estiver por lá de dia pode aproveitar e passar na Duo Patisserie, de propriedade de duas queridas amigas, e sair de lá com água na boca com tantas delícias!
No fim das contas saímos para acalmar os ânimos das crias e acabamos fazendo uma incursão na São Paulo antiga que muitos de nós sequer lembra que existe.
Ganhamos o dia!
Longe se vai...
Aventuras e desventuras mundo afora
terça-feira, 9 de outubro de 2012
quinta-feira, 13 de setembro de 2012
De novos e velhos horizontes...
Enquanto vivemos a entressafra de aventuras, vou migrando para cá aos poucos as viagens mais antigas documentadas e postadas em outras paragens.
Por outro lado, começamos a planejar os próximos rumos.
Pra este ano ainda, em algum feliz feriado de primavera, iremos em nova expedição para a Serra da Canastra.
Para o começo do próximo ano, Flórida, de preferência sem outros furacões que não os que levaremos conosco daqui de casa.
É tempo de planejar!
quarta-feira, 1 de agosto de 2012
Longe se vai... mas perto também!
Mal regressados à rotina, este fim-de-semana sentimos necessidade de caçar novamente um canto com ar puro e um pouco de mato a uma distância razoável pra quem acabou de completar 5.000 km de estrada.
Fomos a um velho conhecido nosso que compartilho aqui para os que não conhecem.
O Sítio Japiapé fica localizado num raro remanescente de Mata Atlântica, a Serra do Japi, no interior de São Paulo, entre Jundiaí, Cajamar, Cabreúva e Pirapora do Bom Jesus.
Além de um restaurante delicioso de comida caseira servida no forno a lenha, ainda tem trilhas pra caminhada, trilha pra moto infantil, cross country para bicicletas, além de ser o ponto de encontro de muitos trilheiros de moto paulistanos e paulistas que tiram as botas e enchem a barriga por lá!
O parquinho, agora revitalizado, tem pula-pula, piscina de bolinha, tanque de areia, monitoras fazendo pinturas, balanços, gangorras e o supra-sumo: uma pista de trilha bem suave pra motinhos e triciclos elétricos (daqueles suuuper lentos) que eles mesmos disponibilizam.
As crianças brincaram até se acabar, viram um coelhinho recém-nascido ser alimentado na seringa, fizeram uma mini-trilha à pé de em torno100 mts na beira do rio e a Maria Clara ainda voltou pra casa com um dálmata pintado no rosto. Algumas árvores têm placas para saber de qual espécie são e ainda há flores e hortaliças de produção local para venda.
Programa pra família toda a 50 km de São Paulo!
Fomos a um velho conhecido nosso que compartilho aqui para os que não conhecem.
O Sítio Japiapé fica localizado num raro remanescente de Mata Atlântica, a Serra do Japi, no interior de São Paulo, entre Jundiaí, Cajamar, Cabreúva e Pirapora do Bom Jesus.
Além de um restaurante delicioso de comida caseira servida no forno a lenha, ainda tem trilhas pra caminhada, trilha pra moto infantil, cross country para bicicletas, além de ser o ponto de encontro de muitos trilheiros de moto paulistanos e paulistas que tiram as botas e enchem a barriga por lá!
O parquinho, agora revitalizado, tem pula-pula, piscina de bolinha, tanque de areia, monitoras fazendo pinturas, balanços, gangorras e o supra-sumo: uma pista de trilha bem suave pra motinhos e triciclos elétricos (daqueles suuuper lentos) que eles mesmos disponibilizam.
As crianças brincaram até se acabar, viram um coelhinho recém-nascido ser alimentado na seringa, fizeram uma mini-trilha à pé de em torno100 mts na beira do rio e a Maria Clara ainda voltou pra casa com um dálmata pintado no rosto. Algumas árvores têm placas para saber de qual espécie são e ainda há flores e hortaliças de produção local para venda.
Programa pra família toda a 50 km de São Paulo!
sexta-feira, 27 de julho de 2012
Expedição Jalapão - depois do fim
A melhor parte do fim de férias inesquecíveis é o gosto das coisas boas que continuam com a gente quando o trânsito está parado e você fecha os olhos e só enxerga as dunas e o cerrado... Isso não tem preço! Então, minhas considerações especiais pós viagem:
- Um super obrigada para o Fábio e a Lu, e os queridos Artur e Bernardo (a melhor companhia que a Maria Clara poderia ter pra essa aventura), Wilson e Márcia, Rinaldo e Lilian, Mauro e Sandra (e o Fred!), Nice, Adauto e Andre, Bocão, Maicon, Zé e Fernanda pela companhia no pó da estrada, nas risadas e nas lembranças que ficarão para sempre!
- Das surpresas da volta, ainda tivemos as placas das rodovias estaduais do Tocantins, das quais a minha favorita foi: "CONFIE NA SINALIZAÇÃO"! Pode crer!!
- Conversamos com uma série de guias que nos deram dicas e orientações pelo caminho aos quais agradecemos. Para quem se interessa em conhecer a região e não quer ir "por conta", procure o pessoal da Venturas, Ricanato, 40 graus no Cerrado ou Korubo. Cada um deles tem propostas diferentes, mais ou menos radicais, portanto, dê uma olhada no site deles todos pra ver qual tem mais a ver com seu perfil.
- Pra você que vai na louca, como nós, não custa lembrar que o lugar é quente, muito quente, portanto roupas leves, muita água, repelente, chapéu e juízo sempre caem bem. Levem também toda sorte de medicamento que você imagina precisar ou não usar, pois as chances de encontrar médicos ou medicamentos pelo caminho são mínimas e inclusive emprestamos remédios para desavisados pelo caminho... Também prefira andar em comboio, pois um carro quebrado ali significa rezar aos céus por ajuda, que pode demorar uma dezena de horas pra chegar. Um guia 4 Rodas ainda é muito bem vindo, quando o GPS se perde pelo caminho...
- No mais, ficamos por agora com ótimos motivos pra voltar...
quarta-feira, 25 de julho de 2012
Expedição Jalapão – dia 5
20/07/2012
Cachoeira da Velha,
Ponte Alta e o que ficou pelo caminho
Acordamos com gosto de último dia.
As crianças foram cedo pra beira do rio perseguir os
lambaris e piaus que se juntavam aos montes em volta das pernas na água
cristalina, o que parece ser uma constante na região.
Desmontamos o último acampamento pra maioria do grupo que se
repartiria no final do dia entre os que poderiam ficar mais um dia e os que
teriam que voltar de qualquer maneira.
As crianças fizeram a gravação do último “programa do
Jalapão” contando das aventuras, dos programas favoritos e mais mil histórias
que inventaram ali na hora pra entreter eles mesmos além dos peixes...
Seguimos para a cachoeira da Velha, outros 60 km pra frente
depois de voltar do camping para a estrada principal.
No entroncamento pra cachoeira encontramos a Rejane, da administração
do parque, que havia conversado com o Wilson, parte do nosso grupo, antes da
nossa chegada e que havia explicado sobre as particularidades e autorizações
necessárias para transitar e passear ali, já que em alguns lugares só se pode
entrar com guia cadastrado. Eles voltavam de uma “batida” à cachoeira da Velha
onde um grupo havia acampado em um local proibido. O que se percebe é que
apesar das dimensões do parque, tudo é bem organizado e fiscalizado, em
comparação com o “padrão brasileiro” de fiscalização.
Depois de uma estrada capaz de deixar metade das peças do
seu carro pra trás e a vista dos primeiros animais do cerrado, um grupo de emas
correndo assustadas com a aproximação dos carros, chegamos à entrada da
cachoeira. Ali encontramos o Guilherme, que nos explicou sobre o local, antiga
propriedade do traficante Pablo Escobar, com 460 hectares, e tomada pelo
governo estadual em 82. Depois de muitos anos sem uso, foi há pouco tempo
estruturada uma sede para receber acampantes e orientar visitantes da Velha,
onde não se pode mais acampar. Também nos contou que a cachoeira leva este nome
porque diz a lenda que ali morou uma mulher sozinha, que ali envelheceu e
morreu às margens da cachoeira. O corpo nunca foi achado, por isso não se sabe
a veracidade da história, mas na região todos tomam como verdadeira.
Até a queda d’água há uma passarela de madeira sob a qual se
vê aqui e ali brotar o capim dourado. A água é abundante e a vista é linda,
realmente linda, com uma trilha que vai dali até a prainha do Rio Novo, cerca
de 1 km de caminhada, mas a trilha estava fechada e os barrancos são
desprotegidos então toda atenção com crianças é pouco, o que nos levou dali
rapidinho para a prainha.
A prainha do Rio Novo é ponto e chegada do pessoal que
pratica rafting no Rio Novo, tem uma extensa faixa de areia e muitos grupos que
ali aportam pra fazer piquenique e nadar nas águas refrescantes pro dia
escaldante. Nosso último mergulho de água doce...
Deste ponto 5 carros partiriam de volta pra casa, o nosso
inclusive, e outros 3 ficariam mais um dia pra cobrir a parte que não
conseguimos terminar de ver: o canion Sussuapara, a cachoeira do Lajeado, a
Pedra Furada e Natividade, cidade histórica ao sul do Jalapão.
Seguimos para Ponte Alta, cidade de boa estrutura na entrada
ou saída do Jalapão, dependendo de onde se está vindo. Abastecemos e tiramos
uns 5 dos 10 kgs de pó que cobriam os carros, além do corpo e da alma, o que
comprovamos mais tarde na toalha do hotel...
Decidimos por adiantar o máximo possível o caminho, indo
para Porto Nacional e dormindo em Gurupi, já que teríamos dois dias até chegar
efetivamente em casa. Nos despedimos da paisagem linda do Jalapão com o vento
ainda quente batendo no rosto e a empolgação de uma criança que acabou de sair
de uma montanha russa. O sol foi finalmente embora enquanto ainda cruzávamos a
ponte sobre o rio Tocantins, nos deixando essa imagem maravilhosa pra coroar
uma semana indescritível, apesar de todas as tentativas.
Mais cedo, à beira do Rio Novo, no acampamento, a Maria
Clara havia nos agradecido pelas melhores férias da vida dela! Eu espero
realmente que ela possa guardar cada momento lindo desta viagem na memória, tão
novinha ainda. Mas caso ela não lembre, caso o tempo e a distância encubram os
dias de sol, calor, brincadeiras, amizades no coração do Brasil, então este
relato terá servido o seu propósito: eternizar este momento!
Expedição Jalapão – dia 4
19/07/2012
Mateiros, Dunas e o Rio Novo
Um pouco mais ruidosa talvez,
pois as 4 e tanto da manhã acordamos com dois fortes estampidos secos na
lataria do carro. Se não era gente, era bicho. Se não era bicho, pior, era a
estrutura da barraca. E se não era nenhum dos três, difícil seria saber o que
era... Marido passou a mão na lanterna e junto com o Fábio, nosso vizinho de
barraca, procuraram, procuraram e não encontraram nada... Sem opção melhor que
dormir novamente, voltamos pra toca até o dia amanhecer dali uma hora pra
começarmos a desmontar o acampamento.
Nos demoramos a terminar de
guardar o circo enquanto a família novamente assistia ao nosso show particular.
Agradecemos a hospitalidade e simpatia, demos o último mergulho no “Rio
Cosquinha” e seguimos rumo a Mateiros, a principal cidade dentro do Jalapão.
Peixes do fervedouro, água transparente |
As pousadas mais estruturadas
ficam ali, e se você quer viajar sem dispensar ar condicionado, internet
wireless, piscina e cama confortável, aqui é o seu lugar! Há três opções
melhores que nos foram indicadas: a Panela de Ferro, a Santa Helena e a VeredaTropical.
Tudo isso quem contou foi D.
Altair, dona da sorveteria Oásis, onde consumimos pelo menos 3 sorvetes cada
um, desde o limão básico até frutas típicas do cerrado, como a cagaita, cujo
nome é autoexplicativo se consumida em excesso... Ela disse que já sabia que
viríamos do Lino, pois tinham adiantado pra ela que ali tinha um grupo grande
parado. Com 2.500 habitantes, anonimato é uma palavra que não existe em Mateiros.
Mateiros |
Almoçamos no restaurante da D.
Rosa, na quadra seguinte da sorveteria, onde a própria cozinha no fundo da casa
uma comidinha caprichada pra matar a fome do retirante mais faminto. Ali no
município também fica a associação dos artesãos do capim dourado, onde todos os
artesãos da região têm peças e é possível ver junto com o papel do preço o nome
do artista que produziu a peça para que o repasse seja direcionado.
Esperamos a leseira do almoço a
40 graus diminuir novamente com altas doses de sorvete e seguimos rumo às Dunas
do Jalapão, um dos cenários mais típicos e divulgados quando se fala da região.
De Mateiros são 30 km, passando pela sede administrativa do parque, e entrando
mais 5 km de areia fofa depois de deixar seu nome e contribuição na entrada para
as Dunas. Carros não entram até o local das dunas, mas a caminhada é curta. Uns
300 mts, mais ou menos. Mas a vista é tão bonita que compensa cada pedacinho da
trilha, inclusive da subida até o topo da duna.
Só não esqueça o repelente,
pois as mutucas não costumam dar trégua, mesmo lá em cima. Os guias dizem que o
melhor horário é o entardecer, mas ainda tínhamos que achar pouso pra noite,
então fomos um pouco mais cedo. Independente do horário, a vista é
absolutamente espetacular e é provável que você se pegue tirando dezenas de
fotos para tentar capturar a sensação que é estar ali em cima, vendo o cerrado
contrastar com a areia amarela das dunas, em contraste com a areia branca do
restante da paisagem, as serras, o céu azul de brigadeiro... É simplesmente de
tirar o fôlego e foto nenhuma faz jus a estar ali pessoalmente, no calor da
areia, com o vento no rosto.
Mas tudo que sobe tem que descer
e lá fomos nós e os pequenos exploradores. A ideia original era chegar até a
Cachoeira da Velha, mas a estrada neste trecho começa a ficar mais pesada,
então escolhemos por prudência apenas cruzar o Rio Novo e dormir no camping do
Seu Antônio, à beira do rio, em torno de 35 km pra frente das Dunas e mais 9 km
à direita após a placa do camping.
Já tínhamos sido avisados pra
negociar tudo com antecedência pra não levar um susto na saída. Pode ser que o
preço varie de acordo com “a cara do freguês”, mas para nós o que foi passado
foi R$ 120 para o chalé com banheiro, porém sem luz, R$ 10 o camping, mas R$ 5
a taxa de uso do banheiro e mais R$ 4 a mais pela hora do gerador depois das 9
da noite. A água do “chuveiro” é encanada do rio e a casinha não é das mais
acolhedoras, mas dá pro gasto. O mesmo vale pros sanitários. O engraçado foi
que a sensação geral do grupo foi mais de estranheza que de alívio, depois de
passar os últimos 4 dias à beira do rio e dormindo sob as estrelas, ao
encontrar a estrutura precária do camping.
Eu pessoalmente senti falta das
estrelas encobertas pelas árvores, que juntas traziam mais um bando de
muriçocas quase imperceptíveis no tamanho, mas com uma picada memorável!
Jantamos estrogonofe regado a Johnny Walker Black, muito sofisticado, no bangalô negociado por mais
R$ 30.
Nesta noite os violões saíram da mala pela última vez pra encobrir a
tristeza que começou a dar as caras com o final da viagem se aproximando no dia
seguinte.
Expedição Jalapão – dia 3
18/07/2012
Mumbuca, Formiga e
redondezas
Acordamos cedo, com a ideia de
rumar após o café da manhã para a Cachoeira do Formiga (rio Formiga e não
inseto, rs), uma queda d’água que acaba em uma piscina mais transparente que a sua
garrafa de água mineral.
Porém decidimos primeiramente
resolver a questão dos materiais para as comunidades e rumamos para Mumbuca,
uma comunidade que por si só renderia um livro. Ali fomos instruídos de
procurar D. Laurita, a líder comunitária, para falar sobre os materiais que
trouxemos e deixar os recados da Leo. Porém como ela não estava, acabamos
encontrando duas outras representantes, D. Santinha e Josi, que começaram a nos
explicar um pouco sobre o lugar até D. Laurita chegar.
Procurando nos registros
turísticos você verá que o Mumbuca é um antigo povoado quilombola, mas isto é
um resumo muito pequeno da história que D. Santinha, D. Laurita e a Márcia,
agente de saúde do povoado, me contaram e que tento reproduzir o mais fielmente
possível: o primeiro negro fugido da Bahia a chegar por aquelas bandas foi o
bisavô de D. Laurita, em 1805. Lá ele encontrou uma tribo indígena, onde
conheceu a esposa, índia, com quem começaria a “povoar” o lugar. Negros,
índios e brancos foram se misturando, e hoje, nas palavras de D. Laurita, há
gente de todos os tons de cores e tipos de cabelo vivendo ali, totalizando os
cerca de 160 habitantes locais, todos parentes, todos próximos, incluindo até a última criança, o que pode ser visto na árvore genealógica na lojinha de artesanato.
O ouro de Mumbuca é o Capim
Dourado e o capricho na execução das peças feitas com o material, e costurado com a seda do buriti, dispensa
qualquer apelo comercial. A comunidade é carente, sim, há falta de recursos
diversos como eles mesmos ressaltaram, mas a beleza está no coração, na
simpatia das pessoas e na riqueza das peças de capim dourado. Difícil é não
querer levar tudo, mas como eu já tinha arrecadado quase toda a produção da D.
Diva no nosso acampamento e precisava fazer os registros históricos, me contive e deixei com que o resto da expedição, de quem eu havia privado a
produção do dia anterior, pudesse aproveitar as compras.
Aproveitei a presença
providencial de um orelhão para ligar para casa e ver se estava tudo bem com o
filhote. Na fila acabei me sentando ao lado de D. Laurentina, uma das
matriarcas do povoado, cuja liderança é majoritariamente feminina, completamente
lúcida dentre seus 88 anos, poucos dentes na boca que eu houvesse constatado, e
uma curiosidade de menina, perguntando o que tanto eu escrevia no caderninho
que eu carregava comigo.
Só a deixei para ligar pra casa e
saber o que eu já imaginava: filhote ótimo e um frio desanimador de voltar pra
casa, frente aos 35° C médios da região.
A simpatia, solicitude,
acolhimento das pessoas dali, nos servindo café e apresentando as crianças
cantando na nossa saída, é algo difícil de superar e apesar de termos levado
donativos para as crianças, quem acabou saindo de lá com uma sensação de
gratidão imensa fomos nós mesmos.
O que constatei aos poucos,
conforme os dias e as cidades passavam é que há sinal de celular em todas as
cidades da região, porém muitas vezes só pega Vivo, o que representa para os
assinantes de outras operadoras um roaming tão caro quanto a gasolina,
modicamente vendida a R$ 3,50.
Dali partimos para a Cachoeira do
Formiga finalmente, para refrescar os miolos, porém além disso descobrimos que
estávamos entrando na rota CVC do cerrado. Há muitas agências de turismo
ecológico e muitos turistas, alguns nem tão turistas assim, como biólogos e
engenheiros florestais que encontramos por ali. O lugar é realmente lindo e
acabamos fazendo nosso piquenique de almoço ali, apesar de ser possível
encomendar uma galinha caipira numa casa ali ao lado para saborear ao fim do banho
delicioso de cachoeira.
Não podíamos fechar o passeio pela região sem visitar o Fervedouro principal, na mesma estrada da Mumbuca, onde se chega a outra piscina de água morna e água branca cercada por um bananal, uma cena realmente fascinante, onde as crianças brincaram tão ensandecidamente que julgávamos que eles não chegariam acordados à próxima pedrinha no caminho.
A galinha capira que fugira do prato do almoço apareceu na panela do jantar, já de volta aos Buritis, onde tive a oportunidade de conversar mais tempo com a filha do Sr. Lino, que me contou um pouco mais sobre o local. O fervedouro, agora apelidado pelas crianças de "rio Cosquinha" por conta das bolhas de ar que sobem da areia, foi nossa Jacuzzi por três dias, e a noite após esvaziar os pratos cheios pela fome, o sono veio cedo e foi tão ruidoso quanto as noites anteriores...
Expedição Jalapão – dia 2
17/07/2012
Amanhece no Jalapão
Impossível dormir até muito além
das 6 e pouco acampando e apesar da secura e calor, a noite foi fria e cheia de
orvalho, o que pegou muitos de nós de surpresa, a procura de cobertores
escondidos desde o Paraná no meio da madrugada.
A princípio o café da manhã seria
individual para cada família, mas como tudo num ambiente coletivo acabou
virando refeição comunitária.
Alguns foram cuidar do banho não
tomado na véspera. A Maria Clara, que estava esperando pelo banho de rio desde
a chegada mal tomou café, me arrastando pro rio de onde víamos da margem peixes
de vários tamanhos a olho nu. Descobrimos também a olho nu um cacho de
marimbondos do tamanho de uma pessoa embaixo da ponte, o que explicou os
visitantes inusitados da véspera.
Ali conhecemos a simpática
Leonidia Coelho, da Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Tocantins, que
havia nos pedido carona para São Felix na véspera e também havia dormido no
posto fiscal. Graças às informações passadas por ela, acabamos mudando nosso
roteiro e decidimos rumar diretamente para Mateiros, por uma série de motivos.
Primeiro, montar e desmontar acampamento todo dia seria inviável com uma
estrutura tão grande. Precisaríamos achar um lugar base para deixar a maior
parte dos mantimentos e seguir um pouco mais leves entre um lugar e outro. Segundo,
a maior parte das atrações do parque ficavam entre Mateiros e São Felix ou mais
perto de Mateiros que qualquer outro lugar. Terceiro, que ali se concentrava a
maior parte das comunidades carentes da região, a maior parte quilombolas e
indígenas, para quem havíamos trazido materiais escolares e mantimentos.
Ficou acordado também que
daríamos o recado às comunidades a respeito dos mantimentos encalhados no
caminhão que passou a noite conosco no Rio do Sono. Isto porque as condições da
estrada estavam bastante transitáveis perto do que se diz a respeito da época
das chuvas...
E assim, de casa nas costas
novamente e um plano razoavelmente estruturado, seguimos rumo a São Felix para
abastecimento para rumar para Mateiros.
No caminho, outros dois caminhões
atolados. O primeiro, de mudança, saiu do buraco com a ajuda de alguns membros
da expedição. Para o segundo, com 15 toneladas de carga, pudemos apenas desejar
boa sorte e seguir viagem, sabendo depois que o socorro havia sido
providenciado.
A paisagem muitas vezes se
assemelha à savana africana, porém com um toque brasileiro pincelado na
paisagem pelos buritis e o capim dourado.
Como chegamos a São Felix em
pleno horário de almoço, o posto de gasolina estava fechado (!). Mas não só o
posto de gasolina, como a agência dos Correios, e mesmo alguns restaurantes da
praia do Alecrim... Perguntaram se queríamos que chamassem o dono do posto, mas
escolhemos fazer um piquenique rápido na praia do Fervedouro local e matar o calor na água, tão cristalina e de
temperatura agradável quanto o rio de onde acabávamos de sair. Para os que
aportarem por lá, fica o dado curioso de ali terem filmado recentemente uma série de cenas do filme Xingu.
Outro capítulo à parte, desta vez
dos melhores, eram as crianças, principalmente os 2 mais velhos, Artur e Maria
Clara. Da extinção dos dinossauros até o que aconteceria se eles se perdessem
dos pais e tivessem que virar crianças de rua, rolou de tudo. Tudo digno de
registro e conversado com uma propriedade de conhecimento que a idade com
certeza nos tira!
Seguimos caminho para Mateiros
novamente abastecidos, banhados, com o porém de ser extremamente complicado
chegar ao destino no tempo planejado. Não pelas condições da estrada, que
estavam muito melhores que a primeira parte do dia, mas porque há tantos rios,
e tão lindos que é quase impossível o apelo de parar e pular ali um pouco para
se refrescar! Fizemos isso umas três vezes antes da nossa chegada e valeu cada
grãozinho de areia branca no meio dos dedos.
As crianças a estas alturas já
bradavam adjetivos como “demais” e “show de bola” a cada parada, realmente
valendo nosso dia.
A princípio a ideia era ficar
baseado em um sítio de um senhor de Palmas que havia conversado conosco no
começo da viagem, porém o terreno íngreme, o rio cercado de barrancos com uma
ponte pênsil sobre ele (mais para um balanço que uma ponte na opinião de
alguns) tornou inviável nossa estada por lá, pois os mantimentos e carros teriam que ficar de um lado e o acampamento de outro.
Dali tínhamos algumas opções de
camping ou um tiro no escuro, que acabou sendo a melhor opção. Seguimos rumo a Mateiros
novamente e entramos rumo ao Fervedouro dos Buritis para ver a situação do
lugar e saber se era possível acampar por ali.
A propriedade, que a princípio
também achamos ser parte das comunidades quilombolas da região, na verdade era
uma propriedade particular e assim acertamos com o Sr. Lino nossa estada pelos
próximos dois dias. Ali teríamos não só um terreno amplo e uma estrutura de
aproximadamente 50m2 para montar a cozinha e desovar os mantimentos do carro,
mas também “nosso próprio” fervedouro à disposição 24 hrs.
De cara, o tom brilhante do capim
dourado chamou a atenção e acabamos comprando praticamente metade do estoque de
artesanato que a família tinha disponível.
A curiosidade foi recíproca e a
família e seus visitantes sentaram para assistir nosso grupo armar um circo
completamente desproporcional à realidade simples, sem luz, água encanada,
esgoto ou qualquer estrutura além da casa mal terminada de adobe e chão de
areia e duas outras tenda abertas, as três cobertas de folhas de buriti.
Em pouco tempo dona Diva havia nos acolhido em sua propriedade e assuntando com a família descobrimos que ali todos viviam do artesanato do capim dourado, como praticamente toda a região. Também descobrimos que há uma fiscalização extensa por parte da Naturatins (o Instituto Natureza do Tocantins), que desde 89 promove o estudo, a pesquisa e a experimentação no campo da proteção e controle ambiental e da utilização racional dos recursos ambientais, evitando que haja contrabando e mesmo escassez de matéria prima disponível para o trabalho dos artesãos.
Pudemos perceber que apesar de simples, as famílias são bem informadas e treinadas pelos agentes comunitários para que o capim dourado possa gerar mais renda para as comunidades da região. Depois fiquei sabendo com um guia que eu conheci que mesmo a Naturatins é bastante carente de recursos, porém os funcionários são realmente empenhados e acreditam no trabalho de preservação da região, por isso acabam compensando as dificuldades com a paixão pelo trabalho feito.
Descobrimos também que apesar de não ter luz, banheiro ou água encanada todos tinham celular, o que não deixou de parecer um tanto irônico... Em vários momentos e conversas acabei questionando o que era falta de recurso e o que era cultural dentre as muitas constatações que tivemos.
Fizemos um risoto de tudo e mais um pouco, oferecendo à família que assistia curiosa ao nosso excesso de acessórios e rumamos para o fervedouro particular da família, aberto ao público como todos os outros por R$ 5,00, para tomar o último banho do dia.
Em pouco tempo dona Diva havia nos acolhido em sua propriedade e assuntando com a família descobrimos que ali todos viviam do artesanato do capim dourado, como praticamente toda a região. Também descobrimos que há uma fiscalização extensa por parte da Naturatins (o Instituto Natureza do Tocantins), que desde 89 promove o estudo, a pesquisa e a experimentação no campo da proteção e controle ambiental e da utilização racional dos recursos ambientais, evitando que haja contrabando e mesmo escassez de matéria prima disponível para o trabalho dos artesãos.
Pudemos perceber que apesar de simples, as famílias são bem informadas e treinadas pelos agentes comunitários para que o capim dourado possa gerar mais renda para as comunidades da região. Depois fiquei sabendo com um guia que eu conheci que mesmo a Naturatins é bastante carente de recursos, porém os funcionários são realmente empenhados e acreditam no trabalho de preservação da região, por isso acabam compensando as dificuldades com a paixão pelo trabalho feito.
Descobrimos também que apesar de não ter luz, banheiro ou água encanada todos tinham celular, o que não deixou de parecer um tanto irônico... Em vários momentos e conversas acabei questionando o que era falta de recurso e o que era cultural dentre as muitas constatações que tivemos.
Fizemos um risoto de tudo e mais um pouco, oferecendo à família que assistia curiosa ao nosso excesso de acessórios e rumamos para o fervedouro particular da família, aberto ao público como todos os outros por R$ 5,00, para tomar o último banho do dia.
Indescritível talvez fosse a
palavra mais próxima para descrever o lugar. Imagine uma banheira gigante de
areia branca, muito branca e água a-b-s-o-l-u-t-a-m-e-n-t-e transparente, com
uns tantos peixinhos nadando pra lá e pra cá e uma fonte constante de bolhas
que sobem da areia e que além de não deixar que a pessoa afunde, ainda dá a
sensação de que o chão está explodindo em pequenas bolinhas, legal pra caramba
depois que você acostuma com o borbulho todo. Difícil mesmo é sair de lá, com
água quentinha a uns 30 graus e um céu ridiculamente estrelado acima.
Fervedouro de dia |
Dormi em 5 segundos grata pelo
dia, pela vida, pela oportunidade!
terça-feira, 24 de julho de 2012
Expedição Jalapão - dia 1
16/07/2012
Rumo ao deserto
O Tocantins é um estado bastante
jovem, apesar das lutas pela emancipação do estado de Goiás datarem do século
XIX. O motivo era simples: com a capital ao sul e as diferenças culturais, o
norte longínquo acabava esquecido e mal assistido. Com a emancipação vinda com
a Constituição de 88 e a fundação de Palmas para ser a capital do estado, bem
ao centro e proporcionalmente distante da maior parte das regiões do estado, o
Tocantins floresceu como o girassol que é seu símbolo.
Um parênteses especial para o
povo de Palmas, simpático, solícito, extremamente acolhedor. É verdade que há
muitos paranaenses entre os primeiros imigrantes da região (hehe), mas saímos
para viajar com uma série de dicas novas, graças à abordagem voluntária de
muitas pessoas que viam os carros adesivados e a turma uniformizada. Com
exceção do sujeito que perguntou para um dos casais se eles iam para o Japão os demais acrescentaram e muito ao
restante do trajeto!
Comprados os perecíveis e
abastecidos de combustível, estávamos prontos para partir.
Uma particularidade que notamos
desde Palmas, foi o costume também nesta região de comer carne de sol. Na falta
de energia pra manter geladeiras e produtos refrigerados, é o que tem pra hoje.
A carne fica pendurada ao sol dentro de uma estrutura de madeira cercada de
tela pra evitar mosquitos, mas só eles, pois a poeira é inevitável na região
seja para as carnes, para os carros ou mesmo para nós escondidos dentro deles.
Mais pra frente encontramos métodos mais rústicos ainda de secagem, que
consiste na dieta da maior parte das famílias da região. Não sabemos dizer o
motivo, mas em nenhuma das comunidades ou cidades onde estivemos vimos criação
de porcos ou mesmo a opção de pratos suínos no cardápio.
Já era passado das 13 quando
deixamos Palmas rumo ao Jalapão. A princípio iríamos até Aparecida, 70 km a
frente seguindo para Novo Acordo, mais 48 km, mas decidimos rumar para São
Felix, outros 150 km a frente, a maior parte dele de terra.
O caminho é tão lindo que por um
tempo é possível esquecer que exista qualquer coisa além daquilo. A sensação é
realmente de maravilha com as paisagens indescritíveis que vamos encontrando no
trajeto.
Infelizmente o final do dia
chegou antes que chegássemos ao destino e por uma questão de segurança
decidimos parar e acampar a beira do Rio do Sono, no posto de fiscalização
animal e vegetal, 50 km antes do destino.
E a noite não nos brindou com
nada menos que um tapete forrado de estrelas!!
No acampamento a primeira
providência foi instalar o gerador, uma regalia sem a qual poderíamos ter
passado, mas que facilita muito fazer comida pra 20 pessoas, pois o sol já
fugia rápido e as instalações ainda precisavam ser montadas.
Barracas de chão, de teto, uma
cozinha com fogão, chapa de disco de arado pra dourar a carne, e até um
semi-teto pra nos cobrir, 3 lâmpadas na área central e o resto à base de
lanternas várias.
Para as crianças, mas em especial
pra Maria Clara que se aventurava pela primeira vez conosco, levei o banheiro
particular dela: um balde comum com redutor de assento infantil, com um pouco
de água, e tcharãããã: um ultramoderno e prático banheiro Tabajara! Ela gostou
tanto do badulaque que queria de todo jeito chamar as outras crianças pra ver a
novidade sendo usada!!!
A grata surpresa foi descobrir
que depois de um dia de calor escaldante, o rio de águas mornas ao final do
acampamento era tão transparente que se via os peixes mesmo à noite. Algumas
pessoas adiantaram o banho e os demais adiantavam a preparação do jantar –
churrasco com salada de couve, tomate e cenoura (ou qualquer outra coisa que já
estivesse estragando na bagagem) e farofa vegetariana.
Comemos, conversamos, enquanto as
crianças brincavam com os baldinhos de areia (afinal, para todos eles, se você
vai para o deserto, você DEVE levar um baldinho de areia, como não?!!). Tocamos
viola e dormimos logo em seguida ao barulho dos... roncos!!! Muitos, vários,
para você que esperava ler algo como “os grilinhos e cigarras”... Na verdade,
foram tão em uníssono que chegamos à conclusão que nenhum animal mais
engraçadinho se disporia a invadir nosso acampamento com tanto barulho assim
madrugada afora...
Maria Clara foi dormir
agradecendo ao anjinho da guarda pela noite na barraca e pelo tio Gordinho ter
sido o único infelizmente picado por um marimbondo e mais ninguém!
segunda-feira, 16 de julho de 2012
Expedição Jalapão - amanhece em Palmas
Café da manhã tomado, crianças exaustas depois da piscina, homens abastecendo os veículos de mantimentos vários.
Hoje a brincadeira começa de verdade e as postagens ganham um intervalo, pois a conexão será inexistente nos próximos dias.
Uma conclusão que nós chegamos até o momento é que por mais planejada que a viagem tenha sido, e as expectativas tenham sido grandes, ainda assim nos surpreendemos de maneira positiva até o momento.
E isso porque o melhor nem começou...
Até a volta!
Hoje a brincadeira começa de verdade e as postagens ganham um intervalo, pois a conexão será inexistente nos próximos dias.
Uma conclusão que nós chegamos até o momento é que por mais planejada que a viagem tenha sido, e as expectativas tenham sido grandes, ainda assim nos surpreendemos de maneira positiva até o momento.
E isso porque o melhor nem começou...
Até a volta!
Expedição Jalapão: etapa Goiânia – Palmas
Impressões e
depressões
Eu devia ter escolhido melhor minhas palavras porque algo em
torno de 1:30 e 4:30 da manhã houve uma batalha incessante entre meu estômago e
meu jantar, da qual o estômago foi vencedor, deixando meu jantar em Goiânia.
Quando amanheceu, 6:30 da manhã, já estávamos na rodovia
fazia tempo.
A BR 053, Belém-Brasília, é um capítulo a parte. Um capítulo ruim,
principalmente na parte de Goiás. Estrada de pista simples, com trânsito pesado
de caminhões, pouca sinalização e nenhuma fiscalização, facilitando a
embriaguez e direção, a imprudência nas ultrapassagens e a falta de cortesia
dos motoristas de todas as categorias, que não diminuem a velocidade nem dão
passagem a carros em ultrapassagem. Uma tristeza que acabou resultando no testemunho
de um acidente grave com vítimas, dentre as quais uma menina pequena estendida
na beira da estrada, o que nos chocou e abalou pelo resto do caminho, ainda que
soubéssemos depois que ela havia sobrevivido. A notificação à Polícia feita
pelo nosso grupo resultou na chegada do socorro, ainda que bem mais de 30
minutos do chamado. O problema é que as longas distâncias aliadas às condições
precárias só reforça a ideia que o modelo rodoviário que temos é ineficaz e
deve ser repensado, seja através da privatização ou maior investimento, já que
o transporte rodoviário é alardeado como o pilar motor da economia do país.
Digressões à parte, cruzamos a
fronteira entre Goiás e Tocantins apenas às 13:30, 8 horas e ½ da nossa saída,
e com muito chão pela frente. Conforme a fronteira se aproxima (a qual se pode
notar apenas por um posto de fiscalização pequeno e uma placa muito discreta,
além do areião típico destas paragens) as opções de abastecimento pessoal e
combustível vão rareando, por isso a contemplação do posto do grupo Décio
depois de quase 700 km de estrada é quase como encontrar um oásis no deserto.
Um deserto quente pra dedéu!
Talvez por um lapso educacional ou falta de atenção pura e
simples, desde a divisão de Goiás e Tocantins nunca havia me atentado para o
fato do Tocantins pertencer à região norte do país, e não centro-oeste. Assim,
em 3 dias, 2 para o resto do grupo, havíamos percorrido 4 das 5 regiões
brasileiras e estávamos agora com a fronteira com Mato Grosso e Pará ao leste e
a fronteira com Maranhão, Piauí e Bahia ao Leste. Em outros lugares do mundo
talvez já estivéssemos a três países de distância de casa...
A paisagem linda e as besteiradas pelo rádio amador
amenizaram a etapa final, aquela que faz a viagem parecer nunca acabar.
Chegar a Palmas foi mais que um alívio depois de tanto chão,
e apesar do ar condicionado do carro ter nos deixado na mão e se transformado
num ventiladorzinho de brinquedo de criança, estávamos com o corpo cansado e a
cabeça leve.
Palmas é uma cidade organizada e planejada, cujas ruas mais
parecem referências de um jogo de batalha naval (é verdade, eu nunca estive em
Brasília...).
A Pousada dos Girassóis foi nosso último pouso “civilizado”
e o pirarucu na beira da lagoa a última refeição de boteco antes que eu começasse
a “pescar” de exaustão na Praia da Graciosa, à beira do Lago de Palmas. Lugar
lindo, calor de 32 graus lá pelas tantas da noite, o que facilitava a tal
pescaria...
As crianças, que passaram o dia presas no carro entre uma
parada e outra, corriam de um lado pro outro menos preocupadas com a refeição
que com a diversão, garantida pelo espaço amplo e um pula-pula providencial.
É verão no Tocantins e nós viemos dispostos a aproveitar
cada raio de sol!!
Expedição Jalapão: etapa Franca – Goiânia
Rumo ao sol
Eram 11 da manhã quando finalmente estávamos prontos e
carregados (de sapatos, inclusive) pro próximo trecho rumo ao norte.
Nos idos dos anos 80, minha tia morava em Goiânia e algumas
férias de julho foram passadas por lá, com o encantamento de levar o biquíni na
mala, coisa impensável no sul do país para esta época do ano. A feira hippie, o
Jaó, o zoológico e é claro, o calor, eram excelentes lembranças de infância!
No carro, uma prancheta, papéis, canetinhas, quebra-cabeças
e um estoque razoável de filmes pareciam estar dando conta do recado de deixar
uma menina de 4 anos, quase 5, presa por tantas horas até o momento.
Cruzamos Minas pelo oeste e em Uberlândia a Maria Clara foi
batizada com a primeira comida apimentada da vida dela, enquanto gritava “minha
gargantaaaaa, minha gargantaaa!!!”. Quem coloca pimenta (muita pimenta!) no
feijão de self-service, caramba?? Depois de apagar o fogo com altas doses de
coca-cola, ela acabou por ganhar de cortesia um macarrão pra substituir o
arroz-feijão dos infernos e um sorvete de consolação.
Logo em seguida cruzamos o rio Paranaíba em Itumbiara para
entrar em Goiás, agora a um estado de distância do nosso destino, com a mocinha
apagada no banco de trás enquanto no rádio Grace Jones cantarolava uma versão
bonitinha e modernizada de La vie en Rose.
É, Grace... hoje ela é rosa, com tons de céu azul e muito verde!
Entramos em Goiânia com o pôr-do-sol e agraciados pelo voo
das araras azuis e amarelas que cruzavam a estrada. A Maria Clara, que dormia
desde Uberlândia, não viu, senão teria alardeado “Rio!!!”. Tanto melhor para
Goiânia, que não mereceria esta desfeita...
Ali encontramos os outros sete carros que fariam nossa até
então “expedicinha” virar uma verdadeira expedição. Agora seríamos 8 carros, 16
adultos, 3 crianças e um cachorro! Isso mesmo, um cachorro!
Cansados, porém felizes com o calor, comemos próximo ao
hotel e caímos cedo na cama, pois o dia seguinte reservaria quase 1.000 km de
estrada pela frente, a começar às 5 da manhã. Peguei no sono conversando ainda com os exageros do jantar.
Ah, se eu soubesse...
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